segunda-feira, 15 de outubro de 2007

1 - Preparativos


Eu acabei partindo sozinho, não encontrei ninguém interessado, disposto ou livre para vir comigo. Além disso, não acredito muito em procurar companheiros de viagem. Acho que o acaso oferece oportunidades melhores. Eu sabia que ia encontrar gente pelo caminho e que poderia me juntar e separar dessas pessoas, conforme fossem acontecendo as coisas.

A viagem seria de bicicleta, para mim não existe outra maneira de viajar que proporcione liberdade e sensações tão grandiosas com um custo tão baixo. Também faria várias caminhadas nos locais por onde passasse.

O local seria a Patagônia, que já tem um nome exótico o suficiente para se tornar um local atrativo, e fora isso oferece paisagens maravilhosas quase intocadas pelo homem .

Existem duas teorias para explicar o nome “Patagônia” . A primeira diz que Fernão Magalhães, navegador português a serviço do rei da Espanha, teve a idéia ao perceber que os índios locais tinham pés enormes, daí o nome Patagônia.

A segunda teoria, mais elaborada mas talvez não mais verdadeira, diz que Magalhães se inspirou no romance renascentista “Primaleão da Grécia”, que falava sobre as terras de “Gran Patagon”.

De qualquer forma o nome não importava muito. As informações que eu tinha prometiam muitas possibilidades de aventura em lugares pouco visitados e um contato bem estreito com a natureza . Tão estreito que o vento e chuva prometiam ser grandes adversários no dia-a-dia. As caminhadas também seriam incríveis, passando por lugares muito diferentes; Montanhas, glaciares, florestas, e lagos de origem glacial.

Levaria comigo todo equipamento para acampar. Poderia carregar na bike comida para 15 dias se fosse necessário. Viajando de bike é possível levar todo o necessário para ter uma autonomia total, a única coisa que precisaria seria água, e isso não é um problema na Patagônia.

Seria perfeito, uma bike com tudo que eu precisava, e uma longa estrada pela frente, me levando a lugares maravilhosos. Muito básico e tentador, sem grandes complicações. Teria que conquistar o meu avanço contra o vento e as subidas, mas “ganharia” as descidas sem esforço algum, e elas seriam acompanhadas de boas doses de adrenalina. Encontraria incríveis visuais, que teriam sua beleza ampliada pelo silêncio e sensação de estar sozinho em um lugar primitivo e isolado.

Mal podia esperar, e hoje de volta a São Paulo, olhando para o computador e escrevendo, mal posso esperar pela hora de partir de novo.

De qualquer maneira, antes de partir ainda teria que passar pelas famosas preparações. Preparar-se bem para uma viagem é fundamental, especialmente em uma viagem aonde se está basicamente sozinho, longe de pessoas, hotéis, restaurantes, etc.

O primeiro passo foi procurar um livro que me desse informações a respeito dos lugares por onde iria passar e um mapa. O livro foi fácil, já estava de olho nele fazia tempo e nem precisei comprá-lo, emprestei de um amigo. O livro foi o “Trekking in The Patagonian Andes”, da editora Lonely Planet. Ele foi ótimo para informações sobre o clima e tem informações detalhadas sobre as caminhadas mais importantes que podem ser feitas na Patagônia. Para encontrar um mapa a coisa foi diferente, pois é muito difícil encontrar algo com uma escala adequada. Encontrei mapas da América do Sul, mas não serviam para muita coisa. Acabei arranjando um mapa de segunda mão que serviu até que eu encontrasse outro razoável, o que só aconteceu no Chile.

Com esse material na mão pude ter uma boa idéia do que iria encontrar pelo caminho. A minha primeira impressão foi um pouco intimidadora, o livro falava de ventos muito fortes que sopram durante o ano inteiro, com mais força ainda no verão. Apesar disto, o verão é a melhor época para ir a Patagônia pois assim evitam-se as fortes chuvas do outono, e o frio e neve do inverno, que tornariam uma viagem de bike muito desconfortável. De qualquer forma segundo o livro pode haver neve até mesmo no verão, e as chuvas estão sempre presentes, junto com o vento que vem do quadrante oeste-sudoeste.

O vento traz umidade do Oceano Pacífico, e essa umidade se precipita ao encontrar os Andes. Conclusão, chove muito na Patagônia Chilena, e muito pouco na Patagônia Argentina. A minha rota se mantinha quase que o tempo todo no Chile, e eu estava começando a ficar preocupado com as condições que iria encontrar pela frente. Quanto mais eu pesquisava, piores as coisas pareciam, e várias pessoas que estiveram por lá me advertiram sobre o vento e chuva.

A minha grande esperança era que as pessoas estivessem exagerando. Eu já havia tido essa experiência antes, estar fazendo algo que outras pessoas diziam ser muito difícil ou “loucura”. Nunca aconteceu nada de mal, pelo contrario, foi fazendo as coisas mais “desaconselháveis” ou “loucas” que mais me diverti e aprendi. Além disto eu sabia que muitas pessoas já haviam viajado de bike pela Patagônia, e portanto era possível fazê-lo.

Não havia nada a fazer, somente depois de iniciar a viagem é que eu ia saber a verdade sobre o clima na Patagônia. A única coisa que eu podia fazer era me preparar para o pior possível. A ansiedade era grande pois tudo poderia correr tranquilamente, mas se o vento fosse tão forte poderia ser um pesadelo.

Em relação à rota a seguir não houve muita dúvida. Eu iria começar em Punta Arenas, no Chile e pedalar em direção ao norte, passando por vários parques nacionais onde iria fazer caminhadas. Optei em iniciar no sul pois assim estaria “subindo” para o norte na medida que o verão acabava. A viagem deveria terminar em Puerto Montt, depois de 2300km pedalados em 40 dias (média de 60km/dia), e depois de aproximadamente 60 dias de caminhadas pelos parques nacionais.

Bom, esse era o plano, restava saber o quanto ele iria ser alterado durante o caminho. Depois de ter o plano e os números de dias, quilômetros, etc. definidos, resolvi colocar tudo organizado e datilografado, em forma de um projeto, o qual batizei de “Projeto Patagônia”.

Com o projeto em mãos comecei a procurar um patrocinador, mas faltava pouco mais de um mês para a minha partida e era muito pouco tempo para organizar algo. Acabei conseguindo o apoio da Anderson Bicicletas, que forneceu todas as peças para a bike. http://www.andersonbicicletas.com.br/

Faltava reunir o equipamento de campismo e o fotográfico. Eu passava o tempo organizando estas coisas e pesquisando. Na última hora resolvi levar também um equipamento para pescar trutas. A Patagônia é famosa internacionalmente como um ótimo local para pesca de truta e salmão. O equipamento era bem pequeno e leve, a vara era telescópica, e quando fechada ocupava muito pouco espaço. Tinha também uma carretilha pequena e vários tipos de isca. Eu nunca havia pescado antes, mas com três meses para viajar e muitos rios pelo caminho, com certeza iria acabar aprendendo.

Paguei a passagem, iria de avião, 550 dólares ida e volta, válido por três meses. Gastei mais em equipamentos e passagens do que na viagem em si. Foram 660 dólares em equipamento de camping, e mais 600 dólares em equipamento fotográfico. A super vara de pescar com iscas e tudo mais, ficou em 150 dólares. Nos próximos três meses de viagem, gastaria apenas 800 dólares. Não que eu tenha economizado ou deixado de comer, pelo contrário, comia muito bem, aliás numa viagem de bike a alimentação deve ser muito boa. O motivo de eu ter gasto tão pouco é que quase não havia despesas. Eu acampava de graça, me locomovia de graça, e cozinhava a minha própria comida. Eu só punha a mão na carteira quando parava nas cidades e dormia em pensões. E com 60 dólares comprava comida suficiente para uma semana.

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