segunda-feira, 15 de outubro de 2007

6 - De Natales a Torres del Paine


De Natales até o Parque Torres del Paine deveriam ser algo como 100/150km, não sabia com certeza pois estava seguindo uma estrada que não estava aberta ao tráfego normal e nem constava nos mapas. A estrada ligava Natales a fazendas e depois seguia até o Parque, mas não havia pontes e por isso ela estava fechada para o trafego de veículos convencionais.

Mas esta estrada era 50km mais curta que a estrada normal e passava por uma área muito mais bonita e interessante. Quem me deu essas informações foi o Cris, que por sua vez tinha ouvido falar dela através de seu irmão, que havia feito aquela viagem alguns anos atrás. Só não sabíamos se a distância era de 100 ou 150km, mas sabíamos que os rios sem ponte eram pequenos e “atravessáveis”.

O tempo estava encoberto e ameaçando chover, mas se manteve seco. Estava pedalando em um vale estreito, com montanhas cobertas de neve à minha volta. A estrada era de terra e não havia nenhum carro. Eu estava sozinho de novo e a sensação era ótima, parece que a aventura aumenta quando se está sozinho.

Havia alguma coisa estranha no ar e demorei a perceber o que era. É que não havia nada de vento, e o silêncio era total quando eu parava de pedalar. Era a primeira vez que isso acontecia e o silêncio dava uma aparência diferente à paisagem, a fazia parecer delicada e misteriosa, até mesmo um pouco ameaçadora por causa das nuvens baixas.

Era muito bom perceber essas coisas, a natureza estava sempre se renovando e me impressionando de uma maneira diferente, bonita e inesperada. Às vezes a diferença era sutil, outras vezes mais forte e dramática.

Depois de três horas de pedalada e 40km percorridos, parei para acampar na beira de um riozinho, sobre o qual havia uma ponte. Somente perto do Parque é que os rios seriam sem ponte. Achei lenha para uma fogueira e depois de jantar ainda fiquei curtindo o silêncio daquela noite meio sombria na beira do fogo.

Na manhã seguinte, para minha surpresa, o céu amanheceu limpo e o vento estava praticamente ausente. Comecei a pedalar com vontade e após 10km parei para observar melhor o horizonte à minha frente. Eu podia ver, a uma grande distância, umas montanhas com formas bem estranhas e recortadas. Elas aparentavam ser pequenas mas eu sabia que era o efeito da distância, pois aquelas deveriam ser as famosas Torres del Paine, vistas à uma distância de aproximadamente 60km. Elas estavam cobertas de neve e por isso eram tão fáceis de perceber em contraste com as colinas que as rodeiam.

A estrada era bastante plana e eu consegui manter uma boa velocidade, logo chegando às margens de um lago de águas azuis bem claras.

Continuei a pedalar e logo encontrei o primeiro rio sem ponte. Ele era pequeno e passei no embalo, o fundo era plano e foi fácil de atravessar. Do outro lado do rio havia um rebanho de vacas, que ao me verem em meu cavalo metálico ficaram assustadas. Elas estavam acostumadas a ver cavalos de carne e não de ferro, e fugiram em disparada.

As vacas não fugiam para longe da estrada, apenas corriam uns 500m pela beira dela e ficavam me esperando, para depois correr de novo. Eu tentava ultrapassá-las mas não conseguia, e ficamos brincando de pega-pega por um bom tempo.

Finalmente elas cansaram da brincadeira e me deixaram ultrapassar. Logo em seguida encontrei um portão, que precedia uma ponte sobre um rio bem grande. “É isso, estou entrando no parque”, pensei. Segundo o meu mapa o parque se iniciava logo após um grande rio. Mas eu estava enganado, ainda tive que pedalar mais uns 20km até chegar ao “Rio Grande”, que marcava a fronteira do parque. O terreno agora era cheio de pequenas montanhas bem íngremes e eu tinha que descer para empurrar a bike em muitas das subidas. Podia ver as marcas profundas deixadas pelos ciclistas que vieram antes de mim e ficava imaginando como eles deviam ter sofrido para passar por ali.

Após mais de duas horas nesse sobe e desce, finalmente cheguei a uma espécie de platô e podia ver de novo as Torres. Parecia que nunca ia alcançá-las. Elas estavam bem visíveis mas ainda longe.

Lá pelas 19:30 eu finalmente cheguei ao famoso “Rio Grande”. Na verdade o rio era enorme, e a correnteza era forte. Felizmente havia uma ponte sobre o rio pois ele era demasiado largo e profundo para ser atravessado a pé ou nadando. Armei a minha barraca do lado de fora do Parque, antes do rio, e devorei o jantar rapidamente.

Resolvi tentar de novo a minha sorte como pescador pois tinha visto umas pessoas pescando na ponte. Eu, muito otimista, reuni lenha para a fogueira na qual ia assar a minha primeira truta. Preparei o equipamento de pesca e fui para a ponte, ao lado de um pescador argentino. Ele era jovem mas tinha cara de quem sabia o que estava fazendo, pelo menos o equipamento dele estava bem usado. Ele me falou que o horário era ideal para pescar, as trutas gostam de pouca luz e por isso são mais fáceis de apanhar de manhã cedo ou no fim da tarde. Apesar disto ele estava tentando pescar ali há dois dias e não teve nenhuma sorte.

Estávamos sobre a ponte, de costas para o vento e por isso era fácil lançar a isca na água. Se eu fosse apanhar algo, teria que ser naquela tentativa. Mas o tempo foi passando e a luz foi ficando bem fraca. Às 22:00 o meu companheiro argentino resolveu desistir. Eu resolvi ficar, talvez pudesse contar com um pouco de sorte de principiante.

Assim que ele foi embora uma truta mordeu a isca. Eu senti um tranco na linha e puxei a vara para fisgar o peixe. Imediatamente comecei a recolher a linha, sentindo o peso da truta. O peixe deu um enorme salto para fora d’água, parecia que estava saltando em câmara lenta de tanto tempo que ele ficou no ar. Era mesmo uma truta, eu lembrei das fotos que tinha visto. Era linda e logicamente enorme, a maior do rio com certeza. Ela não gostou de eu a estar puxando corrente acima e puxou com força no sentido contrário, ganhando linha de volta.

Era guerra, eu regulei a carretilha para dificultar o trabalho da truta e de repente ela parou de puxar. Era minha vez, eu recolhia a linha como um louco, e a distância entre nós ia diminuindo aos poucos. A truta é um peixe famoso por ser combativo mas eu estava ganhando terreno apesar de ela conseguir recuperar linha de vez em quando.

Foi então que eu comecei a pensar em como tirar o peixe da água. Eu estava sobre a ponte a uns dois metros acima do nível da água. Era muita altura para levantar um peixe, eu teria que descer até a margem, mas era impossível pois havia uma árvore aonde a linha iria enroscar se eu tentasse descer. A única possibilidade seria saltar da ponte para a margem, mas lá estava a maldita árvore. A solução então seria saltar dentro da água, na beira do rio, mas era perigoso quebrar um pé nas pedras do fundo. Eu pensava tudo isto enquanto enrolava a carretilha como um louco, e o peixe estava se aproximando. A culpa era daquele pescador que eu estava imitando. Onde já se viu pescar em cima de uma ponte de onde não se pode descer!

Bom, o peixe estava agora embaixo de mim, e nadava quase calmamente, deixando a nadadeira dorsal aparecer fora da água às vezes. Dei uma outra olhada para as pedras sob a água onde teria que saltar mas não tive coragem, e me preparei para puxar o peixe.

Foi ridículo, o peixe nem saiu da água. A linha arrebentou com ele ainda dentro da água, e ele provavelmente iria morrer à toa com uma isca pendurada na boca. Eu estava possesso, queria gritar de raiva, queria pular de cabeça atrás da filha da truta, quebrar a vara, jogá-la no rio, mas me contive e voltei para a minha barraca.

Acendi a fogueira, mas ficar olhando para o fogo não me acalmou. Fui para a cama ouvindo uma música bem calma no walkman, e acabei pegando no sono pois estava super cansado. Aquele havia sido o dia mais longo até então, 5 horas de pedal para cobrir 50km.

2 comentários:

Anônimo disse...

hehehe passeando pela net encontrei o relato, valeu porque dei umas risadas! aaaah coitado do peixe! ainda bem que ele foi mais esperto que você!!

Anônimo disse...

hehehe passeando pela net encontrei o relato, valeu porque dei umas risadas! aaaah coitado do peixe! ainda bem que ele foi mais esperto que você!!