segunda-feira, 15 de outubro de 2007

4 - De Punta Arenas a puerto Natales


Punta Arenas é uma cidade portuária com 100.000 habitantes, nas margens do Estreito de Magalhães.

Antes da construção do Canal do Panamá, o único caminho marítimo entre o leste e o oeste dos Estados Unidos passava pelo Cabo Horn ou pelo Estreito de Magalhães, e Punta Arenas foi criada para servir como porto de apoio para os navios que passavam. A cidade teve seu apogeu na segunda metade do século XIX, época da corrida do ouro na Califórnia e também período de intensa expansão no oeste norte americano. Hoje em dia Punta Arenas permanece um importante “cruzamento” de linhas de transporte, tanto marítimo quanto aéreo.

O tempo correspondia às expectativas, estava chovendo e fazia frio quando pousamos. Arrumei uma carona com uma caminhonete que ia até a cidade e fiquei esperando a chuva passar embaixo de um lugar abrigado, enquanto organizava a bagagem na bike.

A bicicleta tinha dois bagageiros, um dianteiro e outro traseiro. Em cada um eu levava dois alforjes (bolsas) pendurados. Em um dos alforjes dianteiros eu levaria, dobrada, a mochila para caminhadas. No outro levaria comida. Nos alforges traseiros iriam as coisas mais pesadas, roupas, panela, fogareiro, equipamento fotográfico. No bagageiro traseiro entre os alforjes, iriam a barraca e o saco de dormir.

Estava quase pronto para sair, mas ainda faltava um monte de coisas. Uma passada no supermercado e fiz compras para 5 dias. Consegui encontrar também um ótimo mapa da Patagônia inteira, ainda por cima plastificado, no centro de informações turísticas. Passei no posto de gasolina e comprei querosene para o meu fogareiro. Fui para a Zona Franca aonde se pode comprar todo o tipo de coisas bem barato e finalmente comprei um par de luvas e um gorro de lã.

Depois dessa maratona de compras, estava realmente pronto. Eram 18:30, mas eu queria finalmente começar a pedalar, e parti. Era fim de Janeiro, dia 28, e haveria luz até as 23:00. Mal podia acreditar, eu estava finalmente pedalando.

A bike estava pesada, ou talvez era eu que ainda não estava acostumado a pedalar com ela carregada. Em São Paulo eu costumava pedalar todos os dias, uma media de vinte quilômetros, mas o esforço para pedalar a bike carregada é muito maior. É normal sofrer um pouco no início de uma viagem, mas com o tempo acaba se acostumando ao esforço Havia mais carros que eu esperava na estrada, e o vento era forte. Não tão forte como eu esperava mas ainda assim era difícil avançar contra ele.

A estrada seguia paralela ao Estreito de Magalhães por alguns quilômetros, e o visual era inspirador. O tempo estava encoberto, mas não choveu. A estrada era asfaltada e seria assim até Puerto Natales, 250km ao norte. Era bom ter asfalto no começo da viagem, tornava as coisas mais fáceis. O terreno era razoavelmente plano e eu estava cheio de vontade de pedalar.

Pedalei três horas e fiz 52km, o tempo passou super rápido. Parei para acampar às 21:30, na beira de um lago, que na realidade era um braço de mar. Armei a barraca e cozinhei um belo macarrão com atum. Estava esfomeado pois nem tinha almoçado com toda a correria da partida.

Depois de comer pude finalmente relaxar. As nuvens vinham do oeste e passavam baixas no céu, querendo chover. Podia escutar o barulho de pequenas ondas que quebravam na margem do “lago”. O vento havia acalmado e a barraca não sacudia, e fui dormir ouvindo o barulhinho das ondas.

Na manhã seguinte o tempo amanheceu mais encoberto ainda. Tomei o meu café da manhã, que ia ser o mesmo pelos próximos três meses, uma panelada de cereais com leite quente, uma delícia, nunca me enjoei dele, e podia pedalar por três horas antes de sentir fome de novo. O tempo estava feio e começou a garoar, foi o que faltava para me convencer a voltar para a cama. Dormi como um bebê até o meio dia e acordei bem na hora, a chuva estava acabando.

O vento estava muito mais forte do que no dia anterior, e logicamente soprava bem no nariz. Apesar de a estrada ser praticamente plana eu só conseguia pedalar a 6km por hora, uma velocidade ridícula.

Para piorar as coisas começou a chover de novo. A chuva era bem leve e não incomodava muito. O problema é que eu precisava colocar a calça e jaquetas impermeáveis, e depois de 10 minutos estava morrendo de calor. As nuvens passavam rápido e a chuva parava e reiniciava a cada meia hora. Eu parava o tempo todo para por ou tirar roupas conforme o tempo mudava e eu tinha frio ou calor. Também me atrapalhei todo tentando tirar fotos do início da viagem e fazer boletins para a Rádio Eldorado. Era uma quantidade exagerada de equipamentos e roupas para administrar. Eu lembrava das minhas viagens de bike pelo Brasil, em como era simples, duas camisetas, nada de blusas ou roupas para chuva, e em cada rio uma piscina para tomar banho.

Bom, o vento continuava a assobiar na minha orelha e eu não podia nem ouvir música por causa do barulho. Para aumentar a minha felicidade, o meu joelho começou a doer. A chuva voltou a cair, o tempo demorava a passar, os quilômetros percorridos praticamente não aumentavam, e a inevitável pergunta me invadiu, “O que é que eu estou fazendo aqui?”.

Eu me perguntava se seria possível que o tempo ficasse sempre daquele jeito, e se ficasse , o que eu iria fazer. Seria estupidez insistir em pedalar se o tempo fosse sempre tão ruim, afinal eu estava ali para me divertir e não para sofrer. Tentei me acalmar pensando que todo começo é difícil, em qualquer atividade, e que mais cedo ou mais tarde as coisas iriam melhorar.

Depois de 4 horas nestas condições, a estrada virou para a direita (oeste), e eu tinha de repente o meu grande inimigo, o vento, a meu favor. Silêncio total, eu não escutava mais nada de vento pois estava pedalando na mesma direção, a 27km por hora. Incrível como o astral pode mudar tão rápido, até a chuva havia parado, e de repente tudo estava perfeito.

Estava me aproximando de um povoado minúsculo e resolvi parar em um botecozinho para tomar alguma coisa quente. Foi bom estar entre quatro paredes, abrigado do frio e do vento. Eu era o único cliente no bar, mas logo chegou um ônibus lotado de turistas e acabou com o sossego. Os turistas eram alemães e não falavam espanhol nem inglês. Coitado do dono do bar, as pessoas falavam todas ao mesmo tempo e ninguém se entendia. O tempo foi passando e alguns começaram a gritar os seus pedidos achando que assim seriam entendidos.

Eu tentei ajudar mas as pessoas estavam quase histéricas, foi bem estranho, afinal não é difícil pedir um chá, café ou chocolate quente. As palavras são até parecidas, mesmo em línguas diferentes.

Resolvi voltar para a minha estrada, um pouco confuso pela cena no bar. Parei na saída do vilarejo para bater uma foto da bike com as casas ao fundo, e enquanto me afastava para bater a foto, o vento derrubou a bike, que caiu por cima do capacete rachando-o.

Não conseguia acreditar. Porque inventei de parar naquele lugarzinho estranho, bem na hora que o vento estava a meu favor! Guardei o capacete, pois mesmo rachado ele ainda podia servir de proteção, e voltei a pedalar, desta vez com o walkman ligado. Agora sim, tudo estava perfeito, o céu estava limpando e eu estava indo super rápido. Pedalei por mais uma hora e pouco e recuperei a minha média, fechando o dia com 81km feitos em 6 horas de pedal.

Parei para acampar atrás de uma pequena montanha que me protegia do vento, e tive a companhia de uns cavalos que pastavam do outro lado de uma cerca e vieram ver de perto o que estava acontecendo.

Não havia nenhum rio por perto e por isso fui até a estrada para parar um carro. O primeiro para quem fiz sinal parou, era uma família chilena com duas crianças pequenas e foram muito simpáticos. Me deram a água que eu necessitava e foram embora depois de uma conversa rápida.

No dia seguinte eu sentia uma leve dor nas pernas, mas era normal pois estava me acostumando ao ritmo da viagem. O que não era normal era a dor que comecei a sentir nos joelhos, a cada pedalada ela parecia aumentar. Já tinha feito 130km e faltavam ainda 120 para Puerto Natales onde estava planejando descansar e talvez até visitar um médico se a dor continuasse a aumentar.

Durante o dia a dor continuou a aumentar e eu não conseguia mais manter um ritmo razoável, estava se tornando difícil pedalar. O vento não estava muito forte mas mesmo assim eu estava sofrendo para avançar.

Eu pensava que talvez fosse melhor pegar uma carona para não forçar demais o joelho. Poderia descansar em Natales até me recuperar. Mas tinha medo que isso demorasse, e eu não tinha dinheiro ou tempo para ficar parado, pagando hospedaje, esperando a dor passar, e de novo comecei a duvidar que poderia continuar a viagem. Me sentia péssimo, seria ridículo desistir logo no começo.

Fiquei até a tarde com esses pensamentos na cabeça, e parei mais cedo para descansar. Já havia feito 64km e poderia chegar em Natales com calma no dia seguinte.

Estava me aproximando de um rio, e havia placas indicando que era um bom local para pescar. Seria uma boa oportunidade para testar o meu talento de pescador e ao mesmo tempo desviar o pensamento do meu problema no joelho. O local era lindo. Havia uma floresta de Lenga, uma espécie de pinheiro com tronco e galhos torcidos, como que moldados pela força do vento. As florestas de Lenga nunca são demasiado espessas e é possível caminhar entre as árvores sem problemas. O chão era coberto de capim alto, que as vezes chegava à altura da cintura. O céu estava limpo e a luz do sol penetrava através das árvores realçando o verde do capim. Era um colorido bem delicado, verde claro da grama e das copas das árvores, que de vez em quando deixavam espaço para o azul do céu.

Este pequeno paraíso tinha dono, e fui pedir permissão para acampar e pescar nas suas terras. Ele estava cuidando dos cavalos e não ficou surpreso em me ver. O que eu não sabia ainda é que a Patagônia é muito frequentada por ciclistas do mundo todo, e por isso as pessoas reagem com naturalidade ao serem abordadas.

Ele me indicou o melhor lugar para acampar e me recomendou cuidado caso fosse fazer uma fogueira.

Os incêndios florestais são um grave problema na Patagônia, pois no verão é muito seco e no chão das florestas há grande quantidade de madeira. Como o mato não é muito denso, o vento circula livre espalhando o fogo rapidamente. As estatísticas mostram que a maioria dos incêndios são provocados por turistas descuidados.

Antes de montar a barraca eu queria pescar, estava curioso para saber se as coisas podiam ser tão ideais como eu pensava. Eu já estava viajando de uma maneira maravilhosa (vamos esquecer a dor no joelho um pouquinho). Se além disto eu pudesse pescar peixes para o jantar, era bem provável que eu me transformasse para sempre em um ciclista nômade.

Cheguei ao rio, aliás, Rio Rubens, para ser mais preciso. Procurei pelo melhor local, as trutas gostam de ficar nos poços profundos que se formam nas curvas dos rios, e eu logo achei um. Selecionei uma isca tipo colher, coloquei na linha e fiz o lançamento. Engraçado, não via a isca cair na água. Lógico que não, ela estava enroscada na minha calça. Bom, tudo bem, vamos tentar de novo, desta vez com um movimento mais aberto. Cadê a isca? De novo caída aos meus pés, o que foi desta vez? Acontece que eu estava lançando a isca contra o vento, que estava bem forte no fim da tarde. A isca era leve demais e por isso não ia longe. Troquei a isca, colocando a mais pesada que tinha. Agora sim, consegui fazer os lançamentos bem no meio do rio, corrente acima.

Fiquei aperfeiçoando os meus lançamentos. É bem simples, a técnica é lançar longe e recolher a linha lentamente, até fisgar alguma coisa. Eu não sabia ainda, mas o horário para pescar trutas é muito importante, elas não gostam de muita luz e são muito mais fáceis de serem apanhadas quando o sol está se pondo ou nascendo. Havia peixes no rio, inclusive dava para ver uns peixinhos pequenos que saltavam o tempo todo. Eu lançava a isca exatamente aonde eles estavam na esperança de fisgar alguma coisa maior.

De repente, havia algo no meu anzol. Comecei a recolher a linha rapidamente até que ficou muito pesado para a carretilha, que começou a “patinar”. Dei um tranco e senti que havia fisgado algo bem pesado. Não, não era uma bota velha, era apenas um galho. Não desisti, continuei tentando até que fisguei algo bem mais pesado no fundo do rio e arrebentei a linha, perdendo a única isca pesada o suficiente para aquele vento.

O jeito foi desistir, teria que conversar com alguém para saber direito como pescar. Quando fui comprar o equipamento em São Paulo o vendedor estava muito seguro em relação às iscas que eu precisaria, me vendeu umas incríveis, idênticas a sapinhos, baratas, grilos, fora as iscas de “colher” e “mosca”. Cada uma deveria enganar o peixe de maneira diferente e era adequada a uma situação especifica. Mas todas elas eram leves demais para a Patagônia, eu precisava de iscas mais pesadas ou então teria que arremessar a favor do vento.

Bom, me resignei em comer o tradicional macarrão com atum, fiz uma bela fogueira e me pus a pensar na vida e na viagem que estava fazendo.

Realmente não havia muitas opções de coisas para se fazer, e quase toda a minha energia estava voltada para a realização das tarefas necessárias para a execução da viagem. Era uma rotina diferente da que eu levava na cidade, muito mais básica, mas com grandes desafios e recompensas. Era duro lutar contra o vento e ter que pedalar para avançar. Também era cansativo ter que montar acampamento todas as noites e arrumar o equipamento todas as manhãs, mas esse era o preço que tinha que pagar para usufruir daquela liberdade, a total imersão em uma natureza praticamente intocada. Era muito bom estar ali, na beira de uma fogueira, no meio do mato, com um lindo rio a 20 metros de distância. A minha felicidade era composta por poucas coisas, mas essas coisas se combinavam de infinitas maneiras diferentes, e sempre era possível se surpreender com a beleza, pureza, e força da natureza .

Frequentemente eu era invadido por uma profunda calma e sensação de plenitude, uma convicção de que a vida e a felicidade são coisas bem simples. Incrível como podia facilmente sentir isso em meio à natureza . Me lembrava dos meus dias em São Paulo, a eterna correria, que nos envolve até no lazer, um lazer muitas vezes feito de forma neurótica, consumista, como se tivéssemos que conquistar a felicidade para toda a vida em uma única noite.

Esse não era só o meu caso, talvez isso fosse mais verdadeiro para outras pessoas. Qualquer um pode sair à noite e ver a quantidade de gente que literalmente se esborracha em postes por estar bêbado, correndo atrás de satisfação, uma satisfação que não persiste.

O que persiste é a sensação de que está faltando alguma coisa. Aonde é que esta coisa vai ser encontrada? É difícil dizer, cada um tem uma resposta, mas de uma coisa eu tenho certeza, a maneira neurótica como vivemos nas grandes cidades não nos ajuda a perceber aonde está a verdade ou a essência das coisas.

Cada um procura inspiração em uma fonte diferente, para mim ela vem no contato com a Natureza e os elementos. Isso é tão claro para mim que eu Frequentemente pensava em como ia ser bom se toda a estrutura excessivamente artificial que o Homem criou desaparecesse.

Nada de luz elétrica, computadores, carros, aviões, fábricas, escolas, governos, medicina, química, bolsa de valores, favelas, plástico, lixo, polícia. A lista é enorme. Se o homem pudesse negociar a sua sobrevivência apenas com a natureza, tudo seria melhor, e o mundo funcionaria conforme uma lógica mais simples, ao invés de ser um caos total aonde a irracionalidade e interesses mesquinhos prevalecem, ao custo de um planeta que vem sendo destruído e ao custo de milhões de vidas de pessoas que passam por necessidades e dificilmente podem alterar os seus destinos.

Mas o Homem inventou o dinheiro, e todo um universo relacionado a ele. Hoje em dia não podemos mais ir ao rio e pescar o nosso jantar, e nem cortar uma árvore para construir a nossa casa. Temos que trabalhar em uma fábrica ou em um escritório o mês inteiro, e obter a grana, que nos dá a liberdade e condição de sobreviver neste mundo artificial, que nos distanciou do nosso estado natural.

Somos animais, viemos da natureza e pertencemos a ela, que deveria ser a coisa mais preciosa para nós. Será que valeu a pena todo este trabalho para criar todas essas coisas?

Agora é tarde demais, as nossas invenções já estão aí, o mundo está super povoado de pessoas e é impossível voltar a um estilo de vida mais primitivo. Mas ainda está ao nosso alcance reeducar o uso da tecnologia e rever os nossos valores e prioridades. Temos a tecnologia e poder de comunicação para trocar idéias e conversar, temos os números e jornais que nos mostram claramente que estamos nos destruindo, em um ritmo cada vez mais acelerado.

Temos que fazer algo realmente, não basta mais ficar reconhecendo os problemas, temos que agir, não há tempo para ser desperdiçado. O que eu posso fazer? A única coisa que me vem em mente é escrever, e torcer para que faça alguma diferença.

Pois é, vejam só quantas coisas é possível enxergar olhando para as chamas de uma simples fogueira.

No dia seguinte levantei acampamento às 11 horas pois a manhã inteira esteve chovendo. Quando estava entrando na estrada encontrei um casal de ciclistas parado na beira da estrada. Eles estavam indo na mesma direção que eu. Eram o Cris e a Jeanine, suíços, que estavam pedalando na América do sul a quatro meses. Eles eram super simpáticos e continuamos a pedalar juntos em fila indiana, para ter menos problemas com o vento.

Eu não conseguia me posicionar de maneira adequada para me proteger do vento e também estava louco para conversar com alguém, por isso ficava mudando de posição e conversando com os dois.

Cris era mecânico de bicicletas e já havia feito outras viagens de bike. Jeanine era secretária de alguém no ministério dos esportes na Suíça. Era a primeira viagem dela em uma bicicleta. Eles já haviam pedalado algo como 3000 km, um sinal de que ela havia se adaptado muito bem à vida em duas rodas.

Fiz uma maravilhosa descoberta nesta manhã, o meu joelho não doía nada se eu o mantinha aquecido. Fiz essa descoberta por acaso. Eu sempre pedalava de calças curtas e não sentia frio. Apesar disto, o vento era bem gelado e estava resfriando os tendões e ligamentos do joelho. Nesta manhã pedalei com as calças impermeáveis, que esquentavam bastante, e a dor desapareceu por completo.

Comentei a descoberta com os suíços e para a minha surpresa eles também estavam tendo o mesmo problema. Combinamos de procurar umas joelheiras ou algo parecido quando chegássemos em Puerto Natales.

Estávamos quase chegando em Natales e o Cris me perguntou se eu gostaria de tomar um mate. Mate é o chimarrão na Patagônia, só que a erva utilizada por eles é menos forte e amarga que a erva que usamos no Brasil. Eu não sou muito fã de mate, ou chimarrão se você preferir, mas naquele frio qualquer bebida quente cairia muito bem.

O que eu não entendia era a pressa em tomar algo. Afinal de contas estávamos quase chegando em Natales, faltavam 15km com muita descida, não compensava parar, montar o fogareiro, ferver a água, etc., seria muito trabalho.

Mas o Cris tinha uma solução para estes problemas. Estávamos chegando a um posto policial e segundo o Cris eles certamente teriam água quente. Eu achei a idéia ótima, se ela funcionasse. Eles me contaram que frequentemente faziam isto, simplesmente paravam nas fazendas ou qualquer lugar habitado e pediam água para um mate. As pessoas se surpreendiam um pouco com dois ciclistas gringos falando espanhol, mas eram sempre super hospitaleiras.

Além de pedir água quente, Cris e Jeanine às vezes pediam para usar o forno para fazer pão. O irmão do Cris era padeiro e o havia ensinado a fazer um ótimo pão integral. Isso surpreendia os fazendeiros mais ainda, mas todos saiam ganhando. Os fazendeiros conheciam um pouco sobre a Suíça, tinham um pouco de companhia para quebrar a solidão, e ganhavam um pão delicioso. Além de aprender a receita, é claro. Já Cris e Jeanine conseguiam fazer o seu pão, e tinham uma ótima oportunidade de conhecer bem de perto a cultura gaúcha e praticar Espanhol, que aliás já falavam bastante bem.

Bom, chegando ao posto policial eu esperei que Cris fizesse os contatos. Não é que funcionou mesmo? Entramos e fomos levados a uma sala aonde nos sentamos em um sofá. A água foi posta para ferver enquanto nós conversávamos com um dos policiais. Aquele posto policial servia de polícia fronteiriça, pois naquele ponto a estrada se bifurcava e levava à Argentina, a apenas 17km de distância. Na minha opinião havia policiais demais, algo como oito, para cuidar de uma estrada aonde havia pouquíssimo movimento. De qualquer forma tomamos o mate, que desceu muito bem, e continuamos o nosso caminho.

Assim que começamos a pedalar começou a chover, a primeira chuva de verdade que vi até então. Nas outras vezes as chuvas foram muito leves, uma garoa fina, sempre acompanhada de muito vento que acabava me secando na medida em que me molhava, ou seja, eu praticamente não me molhava. Bom, agora era diferente, o vento estava leve e a chuva grossa. Paramos para colocar as nossas roupas impermeáveis, e eu fiz a segunda descoberta do dia. Só que foi uma descoberta desagradável; A minha jaqueta e calças “impermeáveis” não eram tão impermeáveis assim. Seguravam a chuva por cinco minutos e aí eu já começava a sentir a água me molhando. Isso era mal pois eu estava levando um número mínimo de peças de roupa e era fundamental ter as roupas de baixo secas quando eu parasse, pois só tinha uma blusa que esquentava bem. Enquanto estava pedalando eu não tinha problemas com o frio mas era vital me agasalhar bem quando parasse. Desta vez não ia ser problema pois estávamos chegando na cidade e teríamos abrigo, mas eu tinha imaginado que estas roupas iam me possibilitar pedalar debaixo de chuva, o que não era verdade, e isso me tornava dependente de bom tempo para poder pedalar.

Comentei o assunto com Cris, que me disse que tinha o mesmo problema. A verdade é que a maioria dos materiais “impermeáveis” perdem a sua impermeabilidade depois de um certo tempo, especialmente se lavados com sabão que não seja de PH neutro ou se lavados com certa violência, com escova ou sendo centrifugados. Esse não era o nosso caso, aliás eu até evitava lavar a jaqueta exatamente para não ter esse tipo de problema.

Para uma roupa ser realmente impermeável ela deve ser feita de borracha ou de nylon resinado. O problema com este tipo de material é que eles não permitem a evaporação da transpiração e a pessoa acaba se molhando com o próprio suor. Cada pessoa deve definir as suas prioridades. Os materiais impermeáveis que permitem a evaporação da transpiração são muito bons contra o vento e neve, além de serem leves e práticos, mas não oferecem proteção total contra a chuva e exigem cuidados especiais na lavagem.

Continuamos a nos molhar com a chuva, mas descíamos bem rápido e podíamos ver a cidade perfeitamente.

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