segunda-feira, 15 de outubro de 2007

5 - Em Puerto Natales

Puerto Natales fica nas margens de um braço de mar chamado Seno Última Esperanza. Aliás Última Esperanza também é o nome da província, ou estado, onde estávamos. Nomes bem sugestivos, e o visual correspondia à imaginação. Do outro lado do Seno, que tem aproximadamente 2km de largura, havia montanhas altas com os picos cobertos de neve. Naquele exato momento estava nevando lá em cima, pois a chuva aqui embaixo era neve em altitudes mais elevadas.

Natales é bem pequena, com apenas 8.000 habitantes, e não havia nenhum sinal de presença humana fora dos limites da cidade. O tempo chuvoso contribuía para dar um ar mais sombrio ainda ao lugar, mas isso só aumentou a minha animação. Eu estava no lugar certo, fazendo a coisa certa, e apesar do vento, chuva e dor no joelho, tinha conseguido percorrer 250km, o que queria dizer que eu conseguiria fazer quantos quilômetros eu me propusesse a fazer.

Não havia ninguém na rua por causa da chuva e fomos diretamente até a casa de informações turísticas, perguntar por algum hotel ou “hospedaje” barato.

Estávamos de volta a civilização, havia aquecimento na casa. Incrível como é gostoso ter quatro paredes te isolando da chuva e do frio. Ficamos nos esquentando por um bom tempo, até que a chuva diminuiu e fomos até a Hospedaje Casa Cecilia, a apenas dois quarteirões de distância.

Havia um enorme movimento na hospedaje, eu não conseguia entender de onde tinham saído tantos turistas, suíços, alemães, franceses, e até um grupo de três brasileiros! Tivemos até um pouco de dificuldade para conseguir um quarto.

Depois de um maravilhoso banho quente e uma sopinha, fui me encontrar de novo com o Cris e a Jeanine, que tiveram que pegar um quarto em uma outra pensão que pertencia à mesma dona.

Os preparativos para o almoço já estavam a pleno vapor, fiquei impressionado com a quantidade de equipamento que eles carregavam. Eles tinham uma pequena pasta que continha vários tipos de tempero, inclusive óleo e vinagre, coisas que são difíceis de levar em uma bike pois podem vazar. Eles estavam fazendo uma salada enorme e um prato de macarrão maior ainda. Uma garrafa de vinho já tinha sido trazida por um francês, e a conversa rolava solta.

Incrível o quão rápido nossa situação mudou. Apenas duas horas atrás estávamos pedalando na chuva e no frio, sozinhos, sem imaginar quantos viajantes havia tão perto de nós. Para mim foi uma grande surpresa, eu achava que a Patagônia seria um lugar difícil de se viajar e que haveria pouco turismo ali. Entretanto, as hospedajes estavam lotadas. Janeiro é alta temporada na Patagônia. Puerto Natales é o ponto de partida para se visitar o Parque Nacional Torres del Paine, o mais famoso no Chile e talvez na América do Sul também . Todos os dias há ônibus que vão e voltam ao parque , que se localiza a 150km ao norte de Puerto Natales. O resultado disto é que todos os dias conhecíamos novas pessoas, e passávamos horas matando a nossa fome de conversar.

O tempo estava péssimo, choveu três dias seguidos, chegamos exatamente na hora certa. Usamos o tempo para descansar, comer bem, e fazer umas joelheiras para nos proteger do frio. Encontramos uma senhora que fazia blusas com lã de carneiro, e encomendamos umas joelheiras com ela. Foi uma ótima idéia pois nunca mais tivemos problemas com o frio ou dor.

No mesmo dia em que chegamos a Natales, chegaram outros quatro ciclistas. Dois alemães que já haviam encontrado os suíços antes pela estrada, e mais um argentino, e um americano. Eu mal podia acreditar, parecia até que a grande moda era pedalar na Patagônia. Na realidade o que acontece é que aquela era a melhor época para se pedalar por ali, e por isso havia aquela concentração de ciclistas.

Era curioso como cada ciclista tinha seu estilo próprio e uma história diferente. O argentino era o “hippie” da turma, cabelo e barba enormes, o equipamento todo remendado, e era quem mais pedalava, Tinha, como ele dizia, “fome de comer estrada”, e partiu no dia seguinte ao que chegou, junto com o americano. O americano era bem reservado e não deu para saber muito dele.

Os Alemães estavam iniciando a viagem deles e, como eu, tinham três meses para pedalar. Apesar disto tinham uma grande distância para percorrer e uma data certa para chegar a Quito, no Equador, a não sei quantos mil quilômetros mais ao norte. Eles teriam que pegar carona ou ônibus para cobrir algumas partes do percurso. Estavam com pressa e também saíram no dia seguinte.

Eu não saí até que o tempo melhorou, e pude ver as marcas dos pneus deles na lama durante os 100km até o Parque Torres del Paine. Com certeza eles sofreram bastante na chuva, mas nunca soube dos detalhes pois nunca os reencontrei. Acho que eles nem ficaram no Parque pois se o tivessem feito, eu os teria encontrado.

Assim que o tempo melhorou eu me preparei para partir, e comprei uma capa de chuva de verdade, daquelas amarelas emborrachadas. Não queria arriscar passar frio em caso de chuva. Ia deixar os suíços para trás, eles estavam curtindo passar o dia todo jogando conversa fora, mas eu achava que as conversas estavam começando a se repetir demais, já havia contado a minha viagem e ouvido as dos outros centenas de vezes, e estava começando sentir “fome de estrada” de novo.

Fiz compras suficientes para 15 dias, pois no parque Torres del Paine só havia um armazém que cobrava preços bem caros e não tinha muitas coisas. Seguindo o exemplo dos suíços encrementei a minha cozinha com três caixinhas de filme fotográfico contendo temperos como curry, noz moscada e canela. Também levei “Aji chileno”, um molho de pimenta bastante semelhante a chili.

Além das novidades, comprei também o tradicional. Para o café da manhã musli, que na realidade não existia. Eu comprava aveia e misturava com uvas passas, leite em pó e canela, era uma delícia. Todas as manhãs comia uma panelada e podia pedalar até uma da tarde sem sentir fome. Na hora do almoço comia pão. Acabei até aprendendo a receita dos suíços e fazendo o meu próprio pão para este trecho. Levava queijo, salame, e um delicioso doce de leite para passar no pão. Um chocolatinho fazia a sobremesa, e para beber levava suco tipo “Tang”, que por sinal era muito bom. Para o jantar levava macarrão ou purê de batatas desidratado, e carne de soja desidratada. Para fazer molho para o macarrão usava sopas tipo “Maggi”, e assim podia sempre fazer uma combinação diferente destes ingredientes, nunca me enjoando do que comia. Vale lembrar que com a fome que sentia no fim do dia, comeria até macarrão sem molho nenhum. Eu levava ainda cebola, alho e cenouras. Não levava nada de frutas pois ocupavam muito espaço e são difíceis de conservar sem amassar.

Demorei um bom tempo para colocar todos os mantimentos na bike, que ficou mais pesada do que nunca. Depois de comprar querosene para o fogareiro estava finalmente pronto e fui me despedir dos suíços, mas no caminho arrebentaram dois aros da roda traseira. Saco, já era de tarde e eu não aguentava mais ficar em Natales. Fui empurrando a bike até a hospedaje dos suíços para que Cris me ajudasse. Os raios quebraram no lado direito da roda, ou seja, o lado difícil de arrumar sem a ferramenta adequada, o famoso “Hyper Cracker” que eu não conseguira comprar em Santiago.

O Cris tinha a ferramenta e arrumamos a bike rapidinho. Passei em uma bicicletaria e comprei mais alguns raios de reserva pois agora a bike estava mais carregada e a estrada seria de terra.

Finalmente estava de volta à estrada, às 18:30, o mesmo horário que eu saíra de Punta Arenas.

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