segunda-feira, 15 de outubro de 2007

12 - Ruta 40 e Cerro Castillo



Fui colocar as cartas no correio e lá conheci uma mulher muito simpática com quem fiquei conversando por um bom tempo. Eu estava a fim de pegar uma carona até a Ruta 40, a 80 km de distância, pois a estrada até lá era péssima. Perguntei se ela conhecia alguém que fosse para lá no dia seguinte e para minha sorte ela tinha um amigo indo para lá na manhã seguinte. Logo fui apresentado a Max, um baixinho loiro com uma cara entre engraçada e estranha. Ele era simpático e me falou que estava indo até Bariloche, a uns 1500km mais ao norte, e se eu quisesse poderia ir com ele até lá.

Isso era mais sorte do que eu poderia esperar, e eu topei na hora, só que não iria até Bariloche e sim até Perito Moreno, a mais ou menos 700km, aonde eu reentraria no Chile. Combinamos de nos reencontrar no dia seguinte pela manhã.

Eu estava feliz, ia economizar 700km de Ruta 40, aonde não há muita coisa para ver, há pouca água, e o vento sopra mais forte do que no Chile.

Eu não tinha nenhum problema em pegar caronas. Não estava pedalando para acumular quilômetros ou bater recordes, e sim para me divertir. Além disto, com essa carona economizaria um bom tempo e poderia utilizá-lo para fazer algo diferente mais tarde.

No dia seguinte fui falar com Max, já com a minha bagagem arrumada, e as coisas mudaram de figura. Max começou dizendo que teria de cobrar para me levar com ele. Eu respondi que não havia problema nenhum e contribuiria dividindo os custos da gasolina.

Ele me disse, meio sem graça, que não era só aquilo. Eles (iriam ele e mais um amigo) passariam em vários lugares turísticos antes de chegar a perito Moreno, aonde eu ficaria. A viagem levaria dois dias e, resumindo, ele queria me cobrar 80 dólares.

Eu disse que não tinha muito dinheiro e realmente não poderia gastar tanto, podendo contribuir apenas para a gasolina.

Ele me respondeu, fazendo um ar sério, que teria que conversar com o “sócio” dele, e foi em direção a uma construção de onde se podia ouvir um som trash metal dos mais barulhentos. Lá ele começou a conversar com um tipo mal encarado.

Enquanto isso eu pensava na ironia de estar fazendo uma viagem tão legal e ter de lidar com esse tipo de situação. Mas não quis me precipitar e julgar a ele ou ao sócio, até que percebi que eles estavam rindo da minha cara sem nem ao menos disfarçar. Eu não precisava deles, pensei. Caminhei até eles, apertei a mão de Max, e disse que estava tudo bem, eu iria me virar sozinho pois não podia pagar mais que a gasolina.

Aí o “sócio” falou que eu estava sendo tolo pois 80 dólares era um preço muito baixo, e normalmente eles cobrariam mais de 100 para levar um turista “normal”.

Deixei os ali mesmo sem discutir mais e fui em direção a estrada, pensando algo como “se não consegui carona com eles é que algo mais legal vai acontecer”. Uma vez na estrada me preparei para pegar outra carona pois àquela altura havia decidido evitar a Ruta 40.

O problema é que o movimento na estrada era super fraco, e não passou nenhum carro durante horas.

O inevitável aconteceu, e vi o Land Rover de Max saindo da cidade. em minha direção. Fiz sinal para eles pararem e pedi para que me levassem pelo menos até a Ruta 40.

Ele me respondeu com um sorriso, “Diez dolares”.

Eu lhe disse com delicadeza para deixar de ser mercenário pois realmente não tinha dinheiro e iria ter que pedalar se ele não quisesse me ajudar.

Ele topou. Coloquei a bike atrás e me acomodei por cima da bagagem. Fomos conversando enquanto íamos até a Ruta 40, e acabei convencendo-o a me levar até Perito Moreno por vinte dólares. Eu não estava desesperado pela carona como pode parecer, mas ela cairia como uma luva para mim, e eu estava determinado a facilitar um pouco a minha vida.

Era estranho viajar de carro, a distância era percorrida em um piscar de olhos, mas eu não me importava pois a Ruta 40 mostrava ser aquilo mesmo que eu ouvira falar, monótona, sem água, e também com poucos veículos para se pedir água.

Finalmente chegamos em Perito Moreno, e eu estava pronto para pedalar de novo. A estrada era de asfalto, e o relevo plano, de modo que em três horas percorri os 60 km que me separavam de Los Antiguos, fazendo uma média de 20km/hora, a maior até então.

O visual era bem bonito, estava às margens de um grande lago dividido entre Argentina e Chile. Do lado argentino ele se chama Lago Buenos Aires, e do lado chileno ele se chama Lago General Carreira.

Em Los Antiguos parei para tomar algo e comer um chocolate. Em seguida prossegui até a fronteira, que atravessei rapidamente, logo chegando em Chile Chico, aonde dormiria.

Já era noite, e fui procurar uma hospedaje. Encontrei uma por 4000 pesos, mais ou menos dez dólares, sem café da manhã. Era um pouco caro, mas não importava. Eu precisava tomar um banho, fazer a barba, e também lavar roupa. Fazia 9 dias que não tomava banho, o último havia sido na Piedra del Fraile.

O assunto banho é uma questão polêmica em um lugar tão frio. Nunca há água quente para se lavar, mas com o frio não se transpira tanto e é possível passar um longo tempo sem banho. É uma questão de decidir o que incomoda mais, se é estar sujo ou se é passar frio, cada um estabelece os seus próprios limites. Posso dizer que o meu não vai muito além destes nove dias.

Era bom estar em uma cidade e usufruir das duas vantagens da civilização que eu mais sentia falta, luz elétrica e água quente. De quebra eu ainda tinha um quarto, também com luz é claro, aonde podia esparramar as minhas coisas desordenadamente.

Passei o dia seguinte descansando e nadando no lago, que era muito bonito. No outro dia peguei uma balsa para atravessá-lo e voltei a pedalar.

Eu estava seguindo pela Carretera Austral, que corta a Patagônia chilena no sentido norte-sul, unindo Puerto Montt, ao norte, a Tortel, ao sul.

Para mim a característica mais marcante deste trecho foi a umidade e riqueza da vegetação. A Carretera Austral está a oeste da Cordilheira dos Andes, a qual funciona como uma espécie de “barreira de chuvas”. Quase toda umidade existente no ar e que atinge o continente vindo do Oceano Pacifico se condensa e se precipita na forma de chuvas ao atingir o lado oeste da cordilheira.

Isso faz com que os lados oeste e leste da cordilheira sejam muito diferentes. No oeste há muita chuva e por isso toda a região é coberta por uma verdadeira floresta tropical, muito densa e úmida. Já no leste da cordilheira, os ventos secos varrem as extensas planícies argentinas, os pampas, cuja vegetação predominante é seca e rasteira.

A Carretera Austral ainda não foi concluída, está sendo trabalhado o último trecho que levará a estrada à cidade de Villa O’Higgins, na fronteira com a Argentina. Isso faz com que esta parte do Chile seja muito pouco explorada ou povoada, e por isso eu sentia muita expectativa ao começar a minha viagem por ali.

A estrada era de terra e mais movimentada do que eu esperava, com vários caminhões que levantavam enormes nuvens de poeira. Mas a paisagem era muito agradável, e o tempo passou rápido enquanto eu percorri 50 km até Villa Castillo, aonde eu planejava deixar a bike para fazer umas caminhadas na Reserva Nacional Cerro Castillo, que fica praticamente em cima da vila.

Chegando à vila fui comprar comida para levar durante a caminhada e aproveitei para pedir ao dono do mercado para que ele guardasse a bike para mim até que eu voltasse.

Ele concordou, e logo eu estava partindo de novo, “convertido” mais uma vez em trekker.

Peguei uma carona que me economizou 9 km de caminhada na subida, e comecei a caminhar em direção ao lugar aonde iniciava a trilha propriamente dita, que ainda estava a uns 10km de distância.

Esperava encontrar uma carona pois era fim de tarde e pensei que haveria um maior movimento de carros, mas eles iam todos na direção “errada”. Segui caminhando e de repente vi uma bicicleta vindo em minha direção. Ela era pedalada por um francês, que havia começado a viajar nos Estados Unidos, 14 meses antes!

Ficamos conversando por um bom tempo, e quando ele se foi já estava praticamente anoitecendo, e por isso fui obrigado a me afastar da estrada e procurar um lugar para acampar.

Armei a barraca rapidamente e cozinhei no escuro pois estava dentro do mato, aonde escurece mais rápido.

No dia seguinte caminhei por mais duas horas antes de conseguir arrumar uma carona que me levasse até o ponto aonde se inicia a trilha, um local aonde dois rios se encontram e recebe o nome de Las Horquetas Grandes.

Iniciei a caminhar às 11:00 da manhã, seguindo por uma estrada que passava através de uma floresta. Não havia ninguém para me explicar o caminho a seguir e eu estava me orientando por indicações que recebera de um suíço que havia encontrado ainda em Chile Chico.

Depois de caminhar por mais ou menos quatro horas, cheguei em um vale pelo qual iria prosseguir e que me levaria ao ponto de onde se sobe para caminhar entre as montanhas.

Depois de 5 horas de caminhada cheguei ao fim do vale, aonde se iniciava uma trilha que subia, até o Passe Peñon, que funciona como entrada para o maciço do Cerro Castillo. Eu só iria encarar a subida na manhã seguinte pois já estava anoitecendo e por isso acampei por ali mesmo, às margens de um riacho.

Comecei a caminhar cedo na manhã seguinte, às 8:40 já estava com o pé na estrada, e depois de uma hora e meia já estava no Passe Peñon, a 1450m de altitude. A subida até lá foi moderada, e a passagem pelo passe, apesar de ele estar com um pouco de neve, foi tranquila.

Logo após o passe, pude ter a primeira visão do maciço do Cerro Castillo. Realmente impressionante, a montanha se ergue imponente e quase verticalmente, como um castelo.

Continuei seguindo a trilha, que agora descia às margens de um riacho, se afastando do Passe. Na realidade não havia uma trilha propriamente dita, mas eu tinha um mapa que me indicava o caminho, e o único caminho razoável a seguir era pelas margens dos rios. De vez em quando eu encontrava pedras pintadas de vermelho ou então pilhas de pedras, que me confirmavam estar na direção certa.

Depois de descer até uma altitude de 900 metros, encontrei um outro rio, que vinha descendo as encostas do Cerro Castillo à direita. Segui por ali de acordo com a indicação no meu mapa, e recomeçei a subir.

O caminho se tornou um pouco mais complicado pois como não havia trilha eu tinha que caminhar sobre pedras às margens do rio.

Parei para almoçar por volta do meio dia. Eu estava fazendo dois almoços por dia. Comia menos comida e assim podia caminhar mais facilmente e também tinha uma parada a mais para descansar.

Depois de mais duas horas de caminhada cheguei às margens da Laguna Castillo, que como o nome indica, fica diretamente abaixo do Cerro de mesmo nome, e tem suas águas fornecidas pelo degelo da neve e glaciar que existem no mesmo.

Eu estava planejando acampar por ali pois a região é muito bonita e interessante para ser explorada, com paisagens encantadoras e variadas. Mas eu estava me sentindo um pouco inquieto, com vontade de seguir caminhando, e por isso continuei, desta vez subindo, em direção ao Morro Rojo, à 1690 metros.

Estava cansado, mas o cenário mudava o tempo todo, me incentivando a caminhar mais. Do topo do Morro Rojo eu tinha uma visão privilegiada da trilha que havia percorrido desde o Passe Peñon até a Laguna Cerro Castillo, cujas águas refletiam a imagem das nuvens no céu. Podia ver o glaciar com suas colunas de gelo precariamente equilibradas sobre a laguna. Acima do glaciar se erguiam as negras paredes de um castelo de pedra, o Cerro Castillo.

Eu tinha também um outro tipo de incentivo para seguir caminhando. Ao longo do dia o tempo havia mudado, e o céu estava carregado de nuvens negras que se dirigiam em minha direção.

Acabei decidindo por sair da reserva pois parecia que no dia seguinte iria chover e eu não estava a fim de caminhar na chuva.

Do topo do Morro Rojo desci diretamente em direção a saída da reserva, deixando de visitar o lado norte do Cerro Castillo.

Cheguei à saída da reserva no fim da tarde, tendo caminhado por oito horas e meia neste dia. Estava cansado como nunca e tratei de ir para a cama rapidinho.

Na manhã seguinte minha decisão se mostrou correta pois durante a noite chovera, sendo que na parte mais alta da montanha havia nevado e o tempo continuava encoberto, com nuvens que prometiam ainda mais neve.

Caminhei por duas horas e já estava de volta à Vila, aonde encontrei a minha bike, me reconverti em ciclista, e voltei à estrada.

Parei na saída da cidade pois pretendia pegar uma carona para vencer os primeiros 15km de subida, os quais já havia percorrido para chegar até lá.

Enquanto esperava, acabei sendo convidado por uns tratoristas que estavam fazendo manutenção na estrada a tomar um lanche com eles. Aceitei na hora e devorei vários bolinhos deliciosos enquanto conversávamos sobre as condições da estrada.

O meu objetivo era chegar ainda naquele dia a Coihaique, que estava a aproximadamente 100km de distância. Chegamos a conclusão que só conseguiria completar aquela distância se arrumasse uma carona para vencer os 15 km de subida.

Com um pouquinho da minha sorte logo apareceu uma caminhonete que concordou em me levar até o topo da subida, que tinha até nome, “Cuesta del Diablo”, ou Costas do Diabo.

Do topo da Cuesta del Diablo até Coihaique eram 85km, com muita descida. A estrada era de cascalho em ótimas condições por 45km, e depois de asfalto pelos próximos 40. Acabei completando a distância depois de um pouco menos que cinco horas de pedal, a uma velocidade média de 18 km/hora.

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